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AQUARUM

Funarte: Marcantonio Vilaça 2012

Projeto é executado pelo coletivo duodreno: Composto por mim e por Julio Tigre.


ESTA ÁGUA QUE CORRE AQUI É A VOZ DA VOZ DA VOZ DO MEU BISAVÔ


Por PIATAN LUBE

Acessar o imaginário planetário por meio da perfuração do solo, buscar a
memória das coisas do mundo no subsolo e, ao mesmo tempo, brindar, em um
estado de comunhão, esse encontro, com a ingestão da água retirada do
poço: esse é o processo ritualístico de criação de Aquarum. Ao desfrutar da
água e de seus significados, o público experimenta um campo de vivências a
partir dos lençóis que estão sob a Galeria de Arte e Pesquisa da Ufes (GAP).


Trata-se de uma água/memória, água/arte, água/conceito, água/fenômeno,
água/mundo para ser bebida dentro do espaço expositivo de modo a negociar
com a institucionalização desse lugar por meio de sua poética. É a fonte de
vida na fonte das artes.
Em meus anseios primeiros de aspirações poéticas com a água, ela portava, de maneira mais latente, uma função escultórica, desenhou os vales, a geografia deste planeta. Mãe que, em direção ao mar, abriu-se em caminhos significantes. O território ideológico de meus trabalhos de arte é nos seus
ventres, site orientado deste trabalho, transfigurada no olhar vertical para além dos limites visíveis, tencionando e problematizando os limites da galeria de arte enquanto tradicional espaço expositivo e acionando água como fonte de encontros e experiências com lugar da arte.
A água ancestral toca a memória planetária e é oferecida para a comunhão entre o homem e o planeta através de uma obra de arte. Aqui temos uma nova orientação: capturar a memória do mundo extraí-la, fazê-la percorrer novos circuitos, submetê–la a filtragens e servi-la como espírito do lugar. O olhar de origem é quem faz aflorar este tipo de obra. Vasculhamos as entranhas da galeria de arte, no seu subterrâneo, e ativamos ali sua força vital – na gênese do território da arte. Estabelece também, uma nova cartografia ao considerar os extratos geológicos subsolo ao fazer uso da origem.
A água é o elemento com o poder do movimento e portador da vitalidade dos
seres, transpõe tempos, lugares e estados físicos. A água é o ciclo de
fertilidade do mundo. Suas qualidades físicas lhes confere a capacidade de
adaptar-se facilmente à materialidade do território no qual está inserida,
absorvendo-o, refletindo-o, multiplicando-o: a água capta o lugar.
Uma das tensões poéticas presentes em Aquarum relaciona-se com a
propriedade de reflexão molecular da água, ou seja, sua capacidade de
transmitir informações do território do qual ela passa. Ao abrir uma fonte de
água dentro da GAP, damos continuidade ao movimento cíclico desse
elemento in site, aqui apresentado como obra de arte que, ao ser ingerida
pelos visitantes da instalação expositiva usando seus movimentos e corpos,
promove um encontro de águas.
O poço semi-artesiano, cavado no subsolo, revela a memória do território – que
foi codificada por ações do tempo na matéria e que pôde ser acessada pelos
visitantes durante a exposição. Extraído por meio do bombeamento manual e
ingerido pelos frequentadores da intervenção, esse conteúdo mnemônico
converte-se no líquido da sabedoria-obra.
Com Aquarum oportunizamos um novo contato entre a arte e o espectador,
trata-se de uma radical integração ritualística, inscrita por meio da
disponibilização desse elemento sagrado para o público – aqui constituído
enquanto receptáculo e símbolo vivo de uma nova arte.
.
Assim, a obra não se finda com uma intervenção física, ela ganha continuidade
e ampliação de significado após a ingestão da água servida no espaço
expositivo. Por meio desse rito de comunhão entre afetos, Aquarum possibilitou
a vivência de uma nova orientação entre obra, espaço expositivo e espectador.
A intervenção buscou construir uma ponte entre a realidade interior e exterior,
entre o racional e irracional, entre a mente e a não mente, entre forma e a
ausência de forma. Aquarum atende ao anseio de tornar possível, de dar
visibilidade ao invisível, de trazer à superfície as problemáticas existenciais por
meio de uma inundação de memórias do lugar e de nós mesmos.

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